Tudo o que vale a pena não está aqui.



Viagem fora do tempo


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Um jornalista propõe-se atravessar África de Angola a Contracosta, recordando a viagem de Ivens e Capelo, quase 150 anos depois, e arrisca entrar no ventre da guerra africana, munido de uma câmara fotográfica, papel, caneta e alguns livros. Depois, deixamos de ouvir o jornalista e começa a emergir uma lenta voz, contando medos, arriscando estórias, uma voz com ecos de outros que partiram, como Chatwin, e percebemos, a partir de certa altura, que não é um jornalista já que se perdeu em África, é alguém que passa pelas ruínas como um fantasma de um pássaro, calado no seu Inverno interior. O livro que me passa pelas mãos é uma das obras grandes, e este adjectivo nada qualifica. É grande porque respira o ar dos grandes, Michaux, Conrad, Chatwin, e é grande porque a voz que a ditou para o papel elevou-se acima dos escombros e conseguiu criar algo que muito longe está da miséria sobre a qual levita. A língua cresceu neste livro, A Baía dos Tigres, e encheu-se de novos caminhos de partida, como o faz com Mia Couto, com Ondjaki. O horror, o horror tinha de ser evocado,a guerra lá estava ainda a destruir um povo, mas julgo que este livro deve mais ao filme de Coppola do que à obra de Conrad, ainda que o niilismo de Coppola não esteja presente nas palavras de Pedro Rosa Mendes; no coração negro dos soldados ainda havia muito sangue vermelho para sangrar, o monstro que surge das sombras aí regressa no fim da guerra, mesmo quando esta não parece morrer. Quando o dia nasce, não há trevas que perdurem na alma dos homens, as palavras daqueles viajantes que ainda insistem/existem assim o fazem crer.


A Baía dos Tigres, ed. Dom Quixote


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