Ao rever
O Delfim, de Fernando Lopes, impressiona-me o retrato implacável de um tempo que eu não conheci, e que me surge pelos olhos ou palavras de outros. O Portugal salazarista que vivia amordaçado, ameaçado, 46 anos de tempo suspenso. A minha mãe muitas vezes me contava histórias dos Palma-Bravo do seu tempo, os fiéis depositários do medo e do atraso que essa fascinante figura (que alguns vergonhosamente tentam glorificar) chamada Salazar personificava. A fome não é mentira, a pobreza também não, apenas os que o regime protegia e amamentava podem sentir saudades daquele tenebroso período da nossa História. Na obra de Fernando Lopes (como no livro de José Cardoso Pires), a queda do Delfim, senhor de terras e de almas, é a alegoria da decadência, da lenta agonia da ditadura que se finava com a morte de Salazar. O cauteleiro, imagem do zé-povinho durante décadas espezinhado, vinga-se por fim, ao som dos foguetes que anunciam a liberdade. O sinal definitivo, a traição de Maria das Mercês, e tudo se desmorona. A puta que pôs os cornos ao domínio intemporal do senhor. A Revolução.