Um velho poema escrito num tempo em que valia a pena acreditar em metáforas falava de anjos em queda, de inveja, do problema da tangibilidade humana. Depois de muita pesquisa (quem garante que assim terá sido?), concluo que me satisfaz a memória desse poema, ou talvez a memória da escrita desse poema; falar do impulso que as imagens de beleza extrema propiciam, eis o que desejo. Houve quem escrevesse de modo mais certeiro sobre o tema, a mim chega-me recordar Nastassja Kinski e os homens que a ela se recolhem. Quem adivinha o que os olhos do anjo protegem, quem poderá conhecer as leis que regem o seu coração? O balanço de um corpo de anjo sobre os prédios, movimento simultâneo com o tempo que sem aviso atrai os escolhos ao leito do rio sujo, num momento tudo é recuo, força de atrito em direcção contrária à vida. O rosto que é como se fosse um golpe de luz cortando o mundo, rasgando uma fresta na realidade, silêncio debruando a sombra. Falava de anjos, sim, mas sobretudo falava de homens. A quem os anjos não podem invejar, tenho de acreditar de forma empenhada nisto. Sob pena de.
Em memória: Tão Longe, Tão Perto, de Wim Wenders.