Bill Murray é um extraordinário actor porquê? Porque tudo o que as personagens por ele compostas têm a transmitir se pode, a maior parte das vezes, resumir a um esgar, um movimento quase imperceptível, um arquear de sobrancelhas que cristaliza todas as emoções de uma cena em meio segundo apenas. Não será suficiente? E este é um comovente filme, meditativo sem ser meditabundo, não se recolhendo na complacência perante a personagem de Don Johnston (Johnson, disse Johnson?!), um filme que não deixa de estar gentilmente envolto num humor fino e subtil, que nos faz sorrir de um modo sentimental, das personagens e dos seus pequenos tiques, erros, passos em falso. Bill Murray, não sei se já referi, é extraordinário. Um corpo que se arrasta pelo ecrã, percorrido por um estranho adormecimento emocional, que não é mais do que (intuímos nós pelo olhar, um reflexo involuntário do rosto) a angústia de quem pouco pode retirar da vida. Ah, já tinhamos visto antes isto. Claro, em
Lost in Translation. E duplamente claro, nessa comédia durante tantos anos subvalorizada (até à "descoberta" de Murray),
Groundhog Day. Aí, ele era um
clown às voltas com as patranhas do tempo, próximo de um Buster Keaton, figura repetidamente evocada neste segundo fôlego da sua carreira. Mas se existe algo de Keaton em Bill Murray, é apenas um vestígio de um Keaton crepuscular, sombrio, quase personagem do
filme de Beckett, mas não sei se deva me atrever a tanto. Em Jarmush, parece que Murray encontrou um comparsa à altura, e talvez se funde aí a razão de eu ter ficado com a nítida impressão de que nesta obra o desempenho do actor é muito mais bem sucedido do que em
Um Peixe Fora de Água. O realizador mais
zen da cinematografia americana, enveredando por um caminho de questionamento metafísico e irónico, citando outros e citando-se a si próprio (aquele som de comboio que se ouve nos subúrbios,
onde é que eu já ouvi aquilo?), convidando actrizes em busca de um papel num meio que lesto se esquece das estrelas de outrora (apesar de Sharon Stone aparecer mais bela do que nunca). Filme minimalista na composição, atento ao pormenor, jogando as suas cartas com poderação e sabedoria, guardando na manga os trunfos para que o espectador os possa descobrir mais tarde, depois de bem digerido o repasto macrobiótico (e ainda assim, nutritivo) que foi servido. Dos melhores do ano, sem dúvida, tão prazenteiro como um charro fumado às escondidas da família, ou um café bem quente no bar da esquina. E a banda-sonora, soberba.