Uma das discussões mais estéreis que se pode ter é Deus. A palavra mais vasta, a que tudo concentra; aquela de onde nasceu o verbo, antes mesmo do verbo a criar a ela própria, um anel enrodilhado ou uma serpente mordendo a própria cauda.
O que havia antes de Deus? O Homem, cercado pelo fogo dos seus medos. Habitando um mundo hostil, incapaz de criar uma luz que derrotasse a noite, que arrastasse as trevas para longe. Não precisou de procurar muito, este Homem. Encerrado em cavernas, partilhando o espaço com bestas que, a qualquer momento, podiam saltar e arrancá-lo à vida, viu-se obrigado a criar. Pintava paredes, copiava o exterior sem conseguir mostrar o interior. Exorcizava os predadores, as caçadas, as armas. Exaltava portanto a capacidade de viver. Mas morria. Como um animal, ainda. Não tinha a palavra para morte. Acontecia, o mundo acontecia-o sem que ele o pudesse impedir. Então, os sons tornaram-se sílabas e as sílabas, palavras. Comunicava, e descobria-se fora de si, descobria-se semelhante em tudo ao outro. Pode então falar de si, e dos seus medos. E da morte. Dos animais, dos Homens, da sua própria morte. A coisa que ele descobriu ser universal, inevitável, aterradora. Ele e os outros.
As sombras, no escuro da caverna, por vezes paravam de crescer. Quando O nomeavam. Quando O evocavam para a protecção das colheitas, para o êxito das caçadas, para a saúde dos filhos. O coração, reconfortado na sua mínima concha, batia mais calmo. Deus os acompanhava. Deixavam de ser animais.