Tudo o que vale a pena não está aqui.



O tigre Borges #6


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No extremo oposto da casa, os tratadores pressentiram a transformação. Foram apanhados de surpresa, dormiam a sono alto depois de uma noite de tensão e sobressalto, depois de uma noite de ruídos amortalhados e vigília, uma noite de ansiedade extrema. Do fundo dos olhos que se tinham tornado abismos, eles viram, quando ele reentrou na sala de entrada, aquela espécie de mutação, temida desde o início dos tempos, uma radical mudança de gestos e cores, da superfície. Mas o que estremecia à superfície era um tronco que entrava bem dentro da terra, tornado raiz e depois raizes, espalhando-se como linfa pelo corpo, raízes que eram vasos e veias, artérias, até ao limite onde tudo se esbate e se entra no reino desconhecido da alma. O que saltava à vista era o tamanho enorme da fera. As sombras acumulavam-se, num novelo alongado abrindo suas ramificações de encontro às paredes, às janelas, às portas encerradas que na presença da penumbra cintilante se descobriam , como fêmeas pudibundas pela primeira vez observadas. Era pois como se um fio invisível ligasse o corpo gigantesco à alma renascida, esta um duplo tecido de luz do corpo de sombras, um leque aberto com dois extremos escondidos um do outro. O papel dos tratadores mudara. Na garganta a pergunta ganhava forma, mas durante alguns segundos, na presença da monstruosidade que em tempos fora um familiar próximo, eles hesitaram. Poderia ser fatal, esta suspensão do tempo.


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