Tudo o que vale a pena não está aqui.



Emboscada


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Surpreendido pelo olhar fugitivo dela, ele apenas teve tempo de guardar o relógio no bolso. O comboio, vazio de uma ponta à outra da carruagem, avançava no fundo da noite. Era sempre assim quando regressava tarde a casa e apanhava o último comboio, era sempre assim, ele e o silêncio, ele e o livro que lia, ele perdido num sono pouco reparador. Hoje, não. Ela entrara duas paragens antes, e suspeitara do seu olhar de rapina. Sentara-se dois assentos à frente, perto da porta de saída, e retirara uma revista da mala. Virado para ele, espreitando as páginas, saltando em busca dos seus olhos. Não trazia hoje nada para passar o tempo, e o sono esquecera-se de o visitar. Um desconforto começara já a espalhar-se pelo corpo, um mau-estar morno e irritante, um desejo lento de se retirar dali rapidamente. Conhecia-a, é verdade. Mas talvez ela não o reconhecesse, assim velho, gasto, longe da estrada onde em tempos se haviam conhecido. Por isso retirara o relógio do bolso (a bracelete partira-se nesse mesmo dia), por isso o seu olhar fugia, em pânico, tentando fixar um ponto diametralmente oposto ao rosto dela, ainda imerso naquele impasse. Não resistiu mais de cinco minutos. Levantou-se, uma estação antes do tempo, saiu e decidiu ir a pé até casa. No ventre da noite, um passado teimava em não ceder aos seus esforços. Até que colocou a chave na porta e entrou em casa. Um sussurro emboscava-se na sombra.


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