Brian de Palma
O primeiro filme de Brian de Palma que me despertou a atenção terá sido (julgo)
Blow-Out, a sua (muito pessoal) versão de
Blow-Up, de Antonioni. O som, parte integrante do objecto cinematográfico, é pensado por de Palma, do mesmo modo que Antonioni reflecte sobre o poder da imagem em "Blow-Up". Um operador de som (John Travolta) regista acidentalmente um assassínio enquanto recolhe sons na natureza para utilizar num filme. A perseguição que se segue muda o tom da obra, evocando a cada passo Hitchcock, outro dos realizadores vampirizados por de Palma. Mas o que interessa no filme é a auto-reflexividade, o jogo de referências permanente e a desmontagem do mecanismo de produção de imagens. Um som (um tiro, pneus a guinchar, como se fosse um filme de gangsters clássico) não é prova de um crime, retirado do seu contexto é apenas ruído sem sentido. Evidente a reflexão que acompanha o acto fílmico, característica decisiva no cinema de Brian de Palma. Mas esse não é o maior dos seus méritos. Conseguir produzir um cinema que privilegia o conteúdo em desfavor da forma, e no mesmo passo pensar a forma, elaborar teoria cinematográfica, é privilégio de poucos. Hitchcock consegui-o, e terá sido o primeiro, as conversas que manteve com François Truffaut são prova disso; Brian de Palma emula o mestre imitando-lhe o estilo a dois diferentes níveis. E, apesar da carreira irregular, atingindo o êxito comercial em diversas ocasiões (
Missão Impossível,
Os Intocáveis,
Missão a Marte), facto de particular importância em termos de cinema americano. A marca autoral é evidente, mais digna de registo se pensarmos que acontece dentro do sistema, sem cedências demasiado óbvias a uma marginalidade indigesta. Em Brian de Palma, cinema é acção e pensamento, forma e conteúdo, imagem e reflexão.