Música e cinema
Arquivado sexta-feira, novembro 12, 2004 por Sérgio Lavos | E-mail this post
Há um livro de George Steiner, Presenças Reais, que nos fala da arte e do modo como esta é percepcionada pelo Homem, os valores e conceitos que regem a relação entre a obra-de-arte e a razão humana. A conclusão a que Steiner chega é surpreendente; a forma como atribuimos sentido à arte, como determinada obra nos toca, é metafísico, transcendental, em última análise a prova da existência de Deus. A música, no entanto, foge a estas classificações. Steiner depara-se com o enorme obstáculo que é a aplicação do conceito clássico de mimesis e dos conceitos kantianos de Belo e Sublime a uma coisa tão indefinível como a música. E esta inacessibilidade da música, conclui Steiner, só pode ser da ordem do divino. Mas que tipo de relação é que se estabelece entre música e imagem, ou mais concretamente, entre música e memória? O caso mais flagrante desta relação dúbia entre imagem (neste caso em movimento) e som, é o filme Morte em Veneza. É impossível pensar na obra de Visconti desligada da música de Mahler, tanto como é impossível pensar em Veneza sem nos lembrarmos automaticamente do filme. A música Pop, sempre volúvel e passageira, também consegue activar esta hiperligação imediata entre sentidos e memória. Mas a questão é: Conseguirá a música fazer-nos gostar de um filme intrinsecamente mau? Mais interessante ainda, será que um filme bom pode ter o poder de nos fazer gostar de música que, à partida, não tem qualidade? Dois exemplos: Nadja, de Michael Almeyreda; um filme cheio de clichés e demasiado pretensioso para se amar, mas que ficou gravado na memória por causa da excelente banda sonora e do ar de coolness a ela associado. Donnie Darko, de Richard Kelly, obra de culto de um autor que vai ser tão importante como M. Night Shyamalan, que me fez gostar e olhar com outros olhos para uma banda que estava no caixote do lixo dos anos oitenta - os Tears for Fears. E a concorrência era grande: Joy Division, Ian McCulloch, etc. E não é que o Mad World tocado por Gary Jules é realmente uma grande canção pop? Quem diria?