O primeiro livro que li de David Lodge, no âmbito de uma cadeira do meu curso, Teoria da Literatura, foi O Mundo é Pequeno. Obra de um académico, este livro é, antes de mais, uma paródia ao romance académico em forma de romance académico, e acaba por nascer num contexto de modernismo pós-estruturalista ou, por outras palavras, pós-modernismo, o movimento que não é movimento. Os outros livros de Lodge, que vieram naturalmente ter comigo, mostravam um autor preocupado com conceitos como a inter-textualidade, a metaficção, a paródia e o pastiche. Esta é a face mais literária de Lodge. Mas o que mais impressiona nele é o modo como consegue aliar esta reflexão sobre a criação a um domínio invejável das técnicas narrativas, e como, nesse movimento, produz obras que atraem um vasto público, o nosso país incluido. Não me parece que existam muitos autores que, utilizando o pastiche a diversos autores (um capítulo cada autor), como sucede em O Museu Britânico Ainda Vem Abaixo, consigam vender o que Lodge vende. Uma qualidade ao alcance de poucos, raríssima nos escritores portugueses, por exemplo.
Estas preocupações sobre o acto de criação culminam neste livro, que ainda não tem tradução em português (a Asa já comprou os direitos), Author, Author. É a primeira incursão de Lodge num género que requere um método diferente de escrita do seu habitual, mas as suas capacidades camaleónicas ajudam à tarefa. Author, Author é um romance histórico que ficciona episódios da vida de Henry James, um dos maiores cultores da língua inglesa. A transformação de Lodge começa precisamente aqui, no estilo: a utilização de períodos longos, a frase rebuscada, o léxico rico, alienígena, por vezes, os diálogos de uma oralidade reduzida, a busca mirífica de "le mot juste" (frase atribuida a James), tudo características do autor de O Retrato de Uma Senhora, são mimetizadas quase na perfeição por Lodge. Anos de aprendizagem como escritor e professor de Literatura em Birmingham, um dos espaços físicos de eleição nos seus romances.
(Continua)