Em Agosto, vivia-se apenas, ao sabor do estio. Ela sonhava: em Agosto, onde os dois habitaram, e eram ambos pedra. Uma rocha inamovível. Ele dizia:
- Lembras? As pessoas que passaram por aqui, deixaram esta casa? E apenas estamos nós, os dois, nem nos reconhecemos.
Quando os jardins floriam, à noite, e o perfume tomava conta de tudo. A simetria era perfeita. O eco dos passos nos jardins, os pássaros rasando as árvores, a perfil do rosto contra a fonte. E o lago, para onde desaguava a água. Os passos ecoando no Verão, como um fio de água numa gruta. Ele dizia:
- Surge-me o gosto do damasco na nossa boca que rasgava o passado, destruía-o. O tempo que substituía o tempo que passara.
- Mas foi há tanto, que julgas?
Era o mar sem que o mar ali estivesse. Era uma invenção, um pequeno truque dos amantes. Imaginavam o mar, as ondas desfiando contra a praia, um tear de água ressoando na memória. Era o mar como se o violeta da noite se retirasse discreto e deixasse lentamente entrar o mar e o seu azul de lume, a sarça. Ele dizia:
- Se pudesse, permitia que o quarto que em tempos aceitámos como nosso se desmoronasse, para que da ruína pudesse levantar o outro quarto que agora se insinua nesta imitação de vida.
Ela, suspendendo os olhos longe, fingia-se cansada.
- Parece-te a ti que imitamos a vida?
- Temo que sim. Temo que todos estes vultos que nos rodeiam sejam mais do que sinais, temo que existam como nós existimos, ou pior, temo que nós sejamos os vultos e eles os vivos. Não sei em que acredite...
Em Agosto, quando o feno crepitava no meio-dia.
Sonhavam com o céu sem que admitissem o seu estado permanente, o seu estado de absoluta solidão. Sonhavam ser transitórios, o reflexo da água no espelho.