Tudo o que vale a pena não está aqui.



Improviso


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O tal problema da página em branco. Ilustrando a falta de talento do escriba, ou a falta de trabalho, mas não vamos mencionar as duas palavras na mesma frase. Há quem tenha talento e pouco trabalho, e os que labutam em vão espremendo laranja que nunca teve sumo. Esse tipo de assunto, de qualquer modo, é sinuoso e cravejado de perigos. O que se pode avaliar é uma soma de tudo. O que se poderá criticar no processo que levou à conclusão? Não é como o futebol, por exemplo, produção em andamento, esboço a cada momento actualizado pelo génio (ou a falta dele) dos jogadores. O resultado é apenas um pormenor, quem se detém nestas coisas não consegue obter verdadeiro gozo na fruição do desporto. A minúcia é portanto invisível. Como diz António Lobo Antunes, o texto deve esconder as suas costuras, uma das mais certeiras frases do escritor.

O que dizia, acho que até já escrevi antes sobre o assunto. O mais provável ter acontecido em dia de pouca inspiração, outro termo que cai no lugar-comum da escrita. Nem vale a pena falar disso, alguém sabe o que é? Se a escrita fosse um ofício de improvisação, como a música (não a erudita, claro), poderia acreditar nesse fenómeno que parece exclusivo de quem finge escrever. À tona da memória apenas surge Boris Vian, para todos os efeitos. Mas existe tal rigor na escrita libertária de Vian que desconfio que o jazz é apenas leit-motif, impulso de criação. Como o é a natureza para alguns (muitos, infelizmente) poetas, ou a arte para quem se encontra numa encruzilhada criativa. Na contemplação de um quadro cresce um impulso de palavras, ainda que quase sempre a imagem exceda o limite discursivo das metáforas. O que estas apenas tentam, através de mil e um infrutíferos esforços, facilmente se atinge num detalhe apenas de um quadro. Como o amarelo na vista de Delft, de Vermeer. (E qual deles? E quem evidenciou o poder dessa cor no quadro? Li, onde não sei, que é motivo de especulação. Alguém sabe do que falo?)

Divago, mas estou a chegar a algum lado. O que antes se afirmava como obstáculo, caminho difícil de percorrer, tem afinal um propósito. Há no parágrafo de cima uma ideia que me persegue, a saber: onde detectar a tal centelha de que falam, quando nasce a obra da arte? O que distingue o amarelo de Vermeer do amarelo de centenas de outro pintores contemporâneos do flamengo? Ou mais prosaicamente, quem faz mexer os pés de Maradona, quem dirige a bola lançada invariavelmente na direcção certa, qual a via secreta que cumpre o destino do génio? E não me contradigo, não, chamando à contenda o mais perfeito representante de algo que acima afirmo ser o contrário de arte. Reformulando o escrito, existe na incerteza do jogo um limite que o define como disciplina sujeita a regras (não as estipuladas pela FIFA); o problema da equação é a dificuldade na descrição desse limite. Insisto, onde reside o génio, e qual a sua origem?

E onde terminará este texto? Aqui, não.


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