Tudo o que vale a pena não está aqui.



Café e Cigarros


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Bebia ontem um café e fumava um cigarro. Peço primeiro o café e depois tiro o cigarro do maço, depois o isqueiro do bolso, e acendo. Seria o primeiro do dia, e senti aquele pequeno prazer que apenas está reservado aos fumadores. Ali, num café para os lados de Belém, esperava que o tempo avançasse. Uma ideia me assaltou, enquanto inalava o fumo: daqui a algum tempo (quanto?) não poderei fumar neste café. Daqui a algum tempo, não poderei fumar em nenhum café. Fumar será um prazer proibido, para desfrutar às escondidas do mundo. Já é, ou começa a ser. Deixou-me um pouco triste, nostálgico. Recordei o que apenas acontecerá no futuro, e achei que fumar um cigarro no café será lembrado como agora são as tertúlias do passado. Café, fumo, tertúlias. Papéis, canetas, conversas, tabaco, álcool. Tudo prazeres proibidos. Os escritores de agora enfiam-se em casa, teclam no computador, navegam na internet, mantêm um blogue. Não falam uns com os outros, não discutem, não se fecham em grupos rivais, não criam polémicas. Limitam-se a escrever, dispondo de ferramentas antes inacessíveis a todos. A pesquisa tornou-se fácil, pode-se sempre googlar, é difícil que surjam erros ou imprecisões de escrita, tudo está planificado à partida. No meio de uma solidão absoluta. Fumava, e enquanto desaparecia o cigarro, lamentava o tempo da ditadura do politicamente correcto em que vivemos, lamentava a crescente tendência que o estado tem para interferir nas liberdades do indivíduo. Há-de chegar o tempo em que nem a derradeira liberdade (a morte) será permitida. A ditadura da maioria está a caminho, a democracia vai-se estagnando, cai numa inércia derrotista. As leis devem ser decididas pela maioria, claro, mas sempre respeitando os direitos individuais das minorias. Parece-me evidente, mas, enquanto apagava o cigarro no cinzeiro e me levantava e pensava no filme de Jim Jarmusch sobre o prazer do café e dos cigarros, e especulava sobre outras futuras proibições (descansem, chegará o tempo em que o estado decidirá que o café provoca uma série de doenças fatais, e que por isso não se deve beber em público, por uma questão de protecção das crianças ou por outra razão qualquer), enquanto saía do café e convocava as tertúlias que acabaram e o cigarro que se ia apagando, sentia-me nostálgico. Uma questão de somenos importância, lá fora o mundo avançava num ritmo imparável, tudo me parecia condenado à partida. A tarde declinava sobre as casas.


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