Tudo o que vale a pena não está aqui.



Amerika (2)


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Fascinante acaba por ser o facto de Kafka nunca ter visitado a América. O país onde Karl desembarca é imaginário, baseado em relatos fragmentários de primos seus que visitaram o Novo Mundo, leituras de livros, e, acima de tudo, no desejo que Kafka tinha de criar uma história onde pudesse encaixar o seu modelo ficcional. (Se bem que a técnica de Kafka não se baseie num plano pré-estabelecido. Ele avança na escrita aos solavancos, sem uma linha narrativa prosseguida e condicionado pelos períodos depressivos que, regularmente, regressam à sua vida. Enquanto Fernando Pessoa, por exemplo, libertou a sua energia esquizofrénica fragmentando o ego em dezenas de heterónimos, Franz Kafka dirigiu - involuntariamente, parece-me - a tensão para o interior, criando histórias que descrevem um arco que, a cada volta, encerra mais a sua órbita, uma espiral que desemboca num ponto sem retorno, ou nem sequer termina, suspendendo-se na sua trajectória.) É completamente secundário, portanto, o facto de Kafka localizar Boston na outra margem do rio Hudson, em frente a Nova Iorque, ou falar de uma cidade, Ramses, que não existe na realidade. Os espaços, no escritor checo, são acima de tudo mentais. Covis e calabouços, labirintos e torres sem fim, barcos apinhados e estradas que desembocam no vazio, quartos escuros com janelas a dar para um simulacro de vida inatingível. O horizonte aberto da América é imagem nunca vislumbrada por Karl.


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