Se eu tivesse aqui
a imagem da passada primavera
quando a certeza do sol abria ao mundo
- solene - um vasto mar,
na primeira visita que fizemos à praia,
vazia à excepção de um casal de namorados
escondido nas ervas altas da encosta
onde se erguia a casa solitária, aquela que será a nossa casa,
poderia invocar o momento que se seguiu,
quando subimos pelo passadiço de madeira e fomos, certamente
mais alegres do que o gelo restante permitia, a caminho
do café amplo e claro que se mantém aberto todo o ano,
e tu me perguntaste se imaginavas olhar um dia
o rasto que aquele barco imprimia no horizonte
ao teu lado, ao teu lado no ano em que morreríamos,
a poucos meses de distância um do outro, e lembraríamos
o dia em que regressámos à praia e vimos a casa
desabitada a que seria retirada a tabuleta "vende-se", e tu
me perguntaste, enquanto subíamos o passadiço de madeira,
se o amor era uma forma de ver o verso do tempo,
unir as duas pontas do fio nos dedos frios,
e achar que a imagem poderá estar aqui,
impressa numa simples folha de papel, barata e suja,
o negativo da passada primavera, a negro recortado, verdadeiro.
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