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A poesia real


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O poema em baixo tem demasiado real, gosto dele. Um poema de António Ramos Rosa tem real a menos, também gosto. O que é isso de real na poesia, não me apetece entender a discussão que por aí anda. Os versos

Uma saudade tão escura que nem queria
chamar-lhe afecto, ramagens
que nos seus braços arrastavam
contornos de vendavais longínquos.

sustentam-se em que realidade? A linguagem de um poema, a sua carga estilística, a sua prosódia criam uma realidade que não é exactamente aquela onde ele existe. Algo de lateral e desfocado. Ainda que o poema retire do quotidiano os seus assuntos. Alguém duvida que quando Herberto Helder diz

Cegar com o rosto contra um ramo abrupto
de relâmpagos.
Eu sei. Quero dizer: eu amo
essa morte no meio da luz, entre crisálidas e gotas,
à noite, de dia -
quando o mês se extingue num supremo amadurecimento.

pensa no mesmo real que todos vemos? Escolho este excerto porque a imagem dos ramos me parece própria da poesia. Ramos que são como relâmpagos, criando fantasmas breves de luz, nascendo de um tronco a que não acedemos, como os arquétipos de Platão. O que irrompe na cabeça do poeta, filtrado pelos olhos, seja um bar ao fim da noite ou uma paisagem de um verão passado acende-se por momentos, e é outra coisa já, memória do tronco invisível.
Outra história será o fulgor do poema nascido: alguns, poucos, se podem gabar dele. Esconder-se numa escola a maior parte das vezes não chega.


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