Ora, a noite por vezes pede, exige um descanso. Estar sentado ao computador a teclar na dúvida? Não. Ler um livro e adormecer e ficar a babar para cima das páginas, imaginem um verso como este,
"...a vaga, incendeia-se-lhe a crista ao rebentar nas pedras."
conspurcado pela saliva de um monstro como eu tentando escapar, vergonhosamente fugir das opções disponíveis: dormir ou ficar acordado? E no fundo da consciência zumbe a irritante pergunta que me faz cair no clichê, não o posso evitar: viver ou saltar para a morte?
Na sala a televisão arde o seu vómito no escuro. E eu tentando adormecer sem pegar no livro que tenho para ler, ela chama-me. No outro dia, acordei a gritar, suor por todo o lado, e ela chamava-me. Um impulso febril, uma força irresistível e eu fui capturado pelo seu tentáculo mole que me puxou para dentro, e nem sei como resisti e sobrevivi e mantive a razão depois de ter ali nadado durante não sei quanto tempo. Para esquecer o que estava a acontecer comigo, imaginei-me um peixe. O peixe-banana de Salinger, por exemplo. Não, mentira, não é apenas um exemplo. Eu fui mesmo durante todo aquele tempo o peixe-banana mergulhado no líquido onde os raios catódicos flutuam, ou brilham, ou o verbo exacto, que não sei qual é, para classificar a acção dos raios catódicos. (Um aparte para dizer que este termo aprendi-o eu quando era demasiado pequeno para saber que o conhecimento é desnecessário para a sobrevivência. Chamam-lhe curiosidade, eu prefiro pensar numa extrema falta de sensatez. Viva a ignorância atroz do analfabeto!). A imagem não seria nova, até porque vi recentemente o filme de Burton onde uma personagem é transportada para dentro de um aparelho (voador a baixa altitude) de televisão. Pensando retroactivamente, bem, não sei, teria sonhado a noite passada com esse filme que vi, e portanto enganei-me naquilo que disse, este fardo de recordar é traiçoeiro. Sonhei, na verdade sonhei. Não imaginei. O peixe-banana que era eu, de barbatanas bamboleantes boiando rente ao chão de areia do aquário. Ou da televisão, vai dar ao mesmo; esta é uma espécie de aquele, alguém me disse em tempos que os nossos cérebros parece que são sugados e para ali ficam a pairar até melhor oportunidade surgir. Tudo isto ao som de Smiths, é claro.
Frankly, Mr. Shankly
your a flatulent pain in the arse
O maior mérito da banda foi o facto de nunca se terem levado a sério, ao contrário da corja de imitadores que se seguiram. Thank you, mr. Morrissey.
Mas afastei-me do assunto. Quando regressei da minha viagem no aquário, descobri que mudara como peixe, sofrera uma mutação disparatada que me tornara indigno da minha condição de peixe-banana. Era agora um crustáceo e o meu objectivo na vida limitava-se a encontrar um hospedeiro a quem pudesse ir comendo a língua e aguardar depois a lenta morte. Matá-lo à fome, era isso. Imaginem o terror. Imaginem a iluminação que senti. (E não era apenas a luz do candeeiro que a minha trémula mão acendia). Esperar a morte, orgão substituto de um amputado da vida. Descobrira a marca do fabricante de toda esta geringonça. Sorri enquanto descaía para o sono, o lado certo da sombra.