Biblos #9
Arquivado sexta-feira, outubro 21, 2005 por Sérgio Lavos | E-mail this post
Revista Telhados de Vidro nº4Uma pequena editora, dirigida pelo poeta e crítico Manuel de Freitas, a Averno, surgiu no mercado há cerca de dois anos sem pretensões comerciais, editando livros de poetas recentes, os "poetas sem qualidades", como foram denominados pelo próprio editor no primeiro livro da chancela, uma antologia com o título que deu o nome ao grupo. As tiragens não ultrapassam os 350 exemplares e recusam a reedição, o que tem como resultado o facto de alguns títulos se terem já esgotado, como aconteceu com a referida antologia e outras obras de Manuel de Freitas, de longe o mais mediatizado (se assim se pode dizer) dos poetas publicados. Simultaneamente, tem saído com periodicidade irregular uma revista, Telhados de Vidro, que já vai no número 4. Este último volume tem poemas de autores como António Manuel Couto Viana (recuperado do ostracismo a que o 25 de Abril o sujeitou), Fernando Guerreiro, Rui Nunes, Fátima Maldonado, Joaquim Manuel Magalhães, figura tutelar do grupo dos "poetas sem qualidades", e do próprio Manuel de Freitas; ensaios de Silvina Rodrigues Lopes, Maria Filomena Molder e João Miguel Fernandes Jorge. E, justificando o destaque que estou a dar ao projecto, publica dois radiantes textos de Herberto Helder, presumo eu inéditos. Um regresso ou uma pausa no silêncio, um gesto inaudito na via sacra de reclusão a que o (nosso maior) poeta se submeteu desde "Do Mundo". (As novas versões da "Poesia Toda" que entretanto saíram para o mercado não contam, são apenas reformulações de uma obra em permanente estado de mutação, constante ebulição). E foi preciso (re)ler Herberto Helder para reorganizar os meus preconceitos em relação à literatura portuguesa. O fulgor estilístico mantém-se inalterado, mas noto nestes dois breves contos (?) uma inscrição no real que é novidade na obra de Herberto Helder. O psicadelismo surrealizante enredando-se numa interminável sucessão de imagens é marca reconhecível, mas existe uma ideia na génese que assenta firme na realidade exterior ao texto. Influência dos poetas que são companheiros de percurso nesta revista, inflexão numa obra que se vinculou de modo fulgurante na literatura portuguesa, ou dois textos menores de um poeta maior? Esta última objecção é falsa, aviso desde já. A mudança não belisca a beleza do que foi escrito. Volume a não deixar escapar, por entre a voracidade de um mercado dominado por autêntico lixo editorial.