Tudo o que vale a pena não está aqui.



Tábua Rasa #9


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Herberto Helder

"Alguns poetas procuram atravessar as portas, e se a palavra que treme e faz tremer é um acto tremendo, uma passagem para a tenebrosa matéria de certas realidades, tenho ouvido pouco dessa palavra sísmica; estamos num tempo verbal manso. O arrepio que às vezes julgo percorrer uma voz, escuto melhor, não, não é daquela força com que se falam inocência e crime. Os poetas cumprimentam o dicionário, a gramática, a regra das formas, trazem luvas para trabalhar as massas sangrentas. E saem limpos como de cirurgias a raios laser. Não compreendo. Porque penso em todos aqueles que estão cobertos de sangue, não apenas as mãos bárbaras, mas os rostos erguidos, as bocas que devoraram corações, os próprios corações postos fora; e a soberania deles, selvagem e nobre e inexorável e arrogante, funda-se no enigma do sangue e da luz, é um diálogo rítmico, terrestre, entre crime e inocência. O inferno não é o mal mas a fascinação que entre si exercem a candura e o saber. São figuras antigas, essas, monárquicas, loucas, trono e ceptro resplandecem. Por isso as venero. Os xamãs, os sacerdotes, os profetas. E os do verbo primitivo e furioso, sangue e sopro, a lua nas trevas, os animais solares, os fatais teoremas da dança e do abismo. Dante, Villon, Camões, Shakespeare, Blake, Nietzsche, Rimbaud, Sá-Carneiro."

in revista Telhados de Vidro nº4


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