Cada um retira as conclusões que quer daquilo que está a acontecer em França. E, além do mais, sabemos que isto é fogo-fátuo, matéria jornalística que rapidamente irá arder. Algumas dúvidas insistem no entanto em dançar aqui em cima. Será que os comentadores não se arrependem das baboseiras que regurgitam cá para fora no calor do momento? A direita exulta com esta inequívoca prova da falência do Estado social, do modelo social europeu. Esquecendo o que aconteceu há nem dois meses no país que de modo mais perfeito representa o modelo contrário, os E.U.A. Falo da passagem do furacão Katrina. E nem vale a pena falar dos motins de Los Angeles, há dez anos atrás, depois da morte do negro espancado pela polícia branca, que atingiram proporções mais devastadoras do que aquilo a que estamos a assistir. O que interessa é o riso escárnio da direita perante a impotência de um país que nunca deixou de ter preocupações de índole social, um país que em tempos de crise consegue ainda assim sustentar aqueles que vivem em condições precárias. A guetização foi erro crasso na política de integração francesa, mas a culpa é tanto da esquerda como da direita, ambas passaram pelo poder nos últimos vinte anos em França. No fundo, desconfio que o que verdadeiramente move alguma direita portuguesa é um anti-francesismo primário, similar ao anti-americanismo que tanto criticam. O mesmo preconceito que levou os americanos a mudar o nome das
french fries quando a França se recusou a apoiar a alegre aventura no Iraque. Os motins não são prova de nada, assim como não o foram os atentados em Londres nem as consequências da passagem do furacão Katrina por Nova Orleães. Cada um ataca com as armas que tem à mão, e assim se vão perdendo excelentes oportunidades de pensarmos o nosso próprio modelo social e o modo de integração dos nossos imigrantes. Algum dia pode acontecer cá o que está a acontecer em França. Apenas nessa altura pensaremos a sério nisso, como sempre.
(Um post exemplificativo daquilo que escrevo é a entrada de 7 de Novembro, na
Klepsýdra.)