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Kafka e Banville


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Lia Imagens de Praga, de John Banville, e claro, deparei-me com Kafka. Banville, deambulando pela cidade, encontra o castelo que pode ter servido de modelo à obra homónima do escritor checo. A história do homem que em vão tenta entrar no castelo é uma marca de reconhecimento. O instinto imediato permite ao leitor identificar o pequeno terramoto que o seu mundo de ideias feitas sofre. Um conceito que dirige a narrativa, e Kafka leva quem o lê por caminhos que ao mesmo tempo são novos e familiares, caminhos que conduzem a lugares adormecidos no espírito humano. O reconhecimento não é apenas pessoal, estende-se ao homem que julgamos estar por trás do fenómeno de descoberta que sentimos. Em Kafka, repete-se este mecanismo que põe em andamento uma máquina improvável de destruição. N'A Metamorfose, Gregor Samsa acorda insecto. E basta o primeiro parágrafo para que o mundo sofra um deslocalização irreversível. O insecto cresce ao mesmo tempo para fora do quarto e para o interior da consciência humana. Cria-se uma zona cinzenta onde as regras se moldam às regras intrínsecas do mundo de Gregor Samsa. Sabemos que os seus pais e a sua irmã alimentam um monstro que não é Gregor Samsa, permitem-se conviver com algo que eles se forçam a pensar ser ainda o filho e irmão, que apenas existe como memória do passado e desejo do futuro. Que tudo passe, que ele volte a ser aquele que nós conhecíamos. Joseph K., n'O Processo, é arrastado por um mecanismo semelhante, que de modo algum é de alienação do mundo. O mundo de Joseph K. continua a existir de acordo com os padrões pré-estabelecidos, nada mudou nele. Por isso ele procura entender a lógica implacável que motiva aqueles que o perseguem. Mas estes não pertencem já ao mundo de Joseph K, trágico engano.
Os lugares de Praga não são os lugares da Praga de Franz Kafka, a Praga que não é nomeada nos seus livros. Banville, nesta tentativa de reconhecimento dos lugares que ele julga encontrar nos livros de Kafka, incorre num duplo erro: o de não reconhecer uma existência real à literatura, e o de desconhecer os mundos que se criam no interior dessa literatura. Em sua defesa, a admissão da impossibilidade da fuga, quando escreve: "Falando de Kafka - como não o fazer em Praga?"

(A fotografia, belíssima, é de Josef Sudek, fotógrafo de Praga que se torna fonte de memória para John Banville.)


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