Amor, debruçada sobre a janela em contraluz, suspensa contra a luz, a memória de verão em pleno inverno, ela repousando no parapeito espreitando para baixo e eu a olhar para ela a espreitar para baixo, não quis saber quem era que ela observava, não sou curioso, apenas voyeur, voyeur tentando saber de que cor é a cor dos olhos ou da roupa interior apertada dentro da camisola de verão, como a imagem de Sophia Loren saltando à vista de Marcello Mastroianni, não, não é isto; o clarão da janela abrindo, os braços abertos já, abarcando toda a vizinhança, pego no binóculo, daqui de onde estou, repousando no gélido bafo da noite e surpreendo o movimento lânguido, e como gosto desta palavra, que tão bem descreve o substantivo, e como descreve de modo perfeito o volteio do corpo sobre a rua, ela observa no calor alguém alheio ao que se passa e eu miro o seu olhar sem conseguir descortinar sequer a cor dos olhos, apenas as sombras diluindo-se nos vincos da camisola, tudo por dentro aquece no verão que viso neste inverno que vive dessa recordação indecente, o tal livro de Agustina Izquierdo que consegue em duas palavras despoletar a memória; acende no verão o corpo dela, os cabelos caídos, castanhos, e a dobra da pele suando sobre a gola da camisola. Cheirava a feno seco e a um resto de corpo deixado nos lençóis onde ela dormira; na moldura do binóculo, resplandecente retrato de carne em negativo, repercussão do espírito, e ela despe, camisola primeiro, depois cuecas, e senta-se olhando de longe já para cima, e eu juro que o brilho do vidro a cega, tenho a certeza.