Tudo o que vale a pena não está aqui.



Director's Cut #17


E-mail this post



Remember me (?)



All personal information that you provide here will be governed by the Privacy Policy of Blogger.com. More...



Munique, de Steve Spielberg
Poderia enumerar aqui as cinco razões para não gostar de "Munique", mas talvez não existam assim tantas, ou pelo menos todas se podem resumir a uma só: o esforço de Spielberg para se manter ancorado a uma segura equidistância entre os dois lados do conflito israelo-palestiniano. Por outras palavras, o filme de Spielberg padece de uma fraqueza que está directamente ligada ao politicamente correcto do pensamento pacifista. Uma vertente do problema é esta. A outra é a forma, a deselegância de um objecto que tenta colocar um pé no cinema de autor e o outro no cinema mais comercial, capaz de atrair milhões aos cinemas. Se pensarmos bem nisto, será esta a maior falha na obra de Spielberg. Quando temas mais sérios são tratados pelo realizador americano, parece que uma gravidade forçada recai sobre a tela, artificial de tão previsível. Não seria necessário este progressivo caminhar em direcção ao respeito que alguns apenas concedem ao cinema de autor, a Spielberg devemos bastante, basta pensar nos novos géneros que surgiram com ele: a reivenção do cinema de aventuras, com a série "Indiana Jones", a original incursão no suspense para as massas, com "Tubarão", a trilogia que definiu um dos possíveis rumos para a Ficção Científica, constituída por "Encontros Imediatos do Terceiro Grau", "E.T." e "Inteligência Artificial" - de resto, talvez a obra mais equilibrada do cineasta.
A forma então, em dois ou três exemplos: a montagem paralela na sequência em que o espectador vê como culminou o atentado de Munique, o mau-gosto da mensagem a transbordar de modo óbvio da cena. O melhor cinema é aquele que consegue sugerir mais que mostrar, escondendo o jogo na manga e deixando ao espectador a iniciativa da jogada. Quem gosta de cinema sabe como reconhecer um grande filme - o silêncio que se segue, cobrindo com um manto a erupção interior que a obra consegue desencadear; a hesitação; e finalmente, se alguém tiver o azar de se encontrar connosco a seguir, a explosão verborreica, o desenrolar do fio que se emaranhou por dentro. Dito de outro modo, o vulgar soco no estômago. Mas voltemos ao segundo exemplo de exagero demonstrativo: o plano do agente da Mossad à varanda que mimetiza outro no início, a célebre imagem icónica do terrorista observando quem o observa, perde toda a importância quando a câmara desce e filma o nome do hotel - Olympic Hotel. Já perceberamos ao ver a imagem, a redundância esvazia o impacto da metáfora. Acontece também na má poesia. Finalmente, a fraca caracterização das personagens, que parece sofrer com uma montagem que não consegue imprimir um ritmo em crescendo de tragédia que seria essencial para que a mensagem passasse na perfeição. A trajectória de Avner (Eric Bana) é tudo menos linear, e nem aquela bela ideia, que a determinada altura é esboçada, da acção que tudo rege apenas para que não exista a reflexão, o pensamento, é plenamente concretizada. Tudo fica pela rama.
E depois, os clichés para americano ver que são repetidos no diálogo entre Avner e o terrorista árabe. Inconciliáveis, irresponsáveis, irremediavelmente inimigos. O filme não chega a nenhuma conclusão, espelho do conflito que se eterniza, e neste ponto Spielberg é um produto do seu tempo. As pistas para reflexão que Spielberg fornece redundam em nada. O regresso a casa, a importância de uma família a que se possa pertencer, ideia que se repete no cinema do realizador, é um dispositivo que de nada serve à narrativa em "Munique". Porque é precisamente a intransigência dos dois lados na defesa do seu direito ao solo pátrio, a uma terra, a uma casa, que impede que seja construída qualquer ponte que una povos que originalmente conviviam em paz. Isto, Spielberg percebeu; não é uma questão de religião. É outra coisa mais profunda: a raiz que nos prende à terra.


Rascunhos

Arquivos

Outros Lugares



eXTReMe Tracker