Poderia enumerar aqui as cinco razões para não gostar de "Munique", mas talvez não existam assim tantas, ou pelo menos todas se podem resumir a uma só: o esforço de Spielberg para se manter ancorado a uma segura equidistância entre os dois lados do conflito israelo-palestiniano. Por outras palavras, o filme de Spielberg padece de uma fraqueza que está directamente ligada ao politicamente correcto do pensamento pacifista. Uma vertente do problema é esta. A outra é a forma, a deselegância de um objecto que tenta colocar um pé no cinema de autor e o outro no cinema mais comercial, capaz de atrair milhões aos cinemas. Se pensarmos bem nisto, será esta a maior falha na obra de Spielberg. Quando temas mais sérios são tratados pelo realizador americano, parece que uma gravidade forçada recai sobre a tela, artificial de tão previsível. Não seria necessário este progressivo caminhar em direcção ao respeito que alguns apenas concedem ao cinema de autor, a Spielberg devemos bastante, basta pensar nos novos géneros que surgiram com ele: a reivenção do cinema de aventuras, com a série "Indiana Jones", a original incursão no suspense para as massas, com "Tubarão", a trilogia que definiu um dos possíveis rumos para a Ficção Científica, constituída por "Encontros Imediatos do Terceiro Grau", "E.T." e "Inteligência Artificial" - de resto, talvez a obra mais equilibrada do cineasta.
A forma então, em dois ou três exemplos: a montagem paralela na sequência em que o espectador vê como culminou o atentado de Munique, o mau-gosto da mensagem a transbordar de modo óbvio da cena. O melhor cinema é aquele que consegue sugerir mais que mostrar, escondendo o jogo na manga e deixando ao espectador a iniciativa da jogada. Quem gosta de cinema sabe como reconhecer um grande filme - o silêncio que se segue, cobrindo com um manto a erupção interior que a obra consegue desencadear; a hesitação; e finalmente, se alguém tiver o azar de se encontrar connosco a seguir, a explosão verborreica, o desenrolar do fio que se emaranhou por dentro. Dito de outro modo, o vulgar soco no estômago. Mas voltemos ao segundo exemplo de exagero demonstrativo: o plano do agente da Mossad à varanda que mimetiza outro no início, a célebre imagem icónica do terrorista observando quem o observa, perde toda a importância quando a câmara desce e filma o nome do hotel - Olympic Hotel. Já perceberamos ao ver a imagem, a redundância esvazia o impacto da metáfora. Acontece também na má poesia. Finalmente, a fraca caracterização das personagens, que parece sofrer com uma montagem que não consegue imprimir um ritmo em crescendo de tragédia que seria essencial para que a mensagem passasse na perfeição. A trajectória de Avner (Eric Bana) é tudo menos linear, e nem aquela bela ideia, que a determinada altura é esboçada, da acção que tudo rege apenas para que não exista a reflexão, o pensamento, é plenamente concretizada. Tudo fica pela rama.
E depois, os clichés para americano ver que são repetidos no diálogo entre Avner e o terrorista árabe. Inconciliáveis, irresponsáveis, irremediavelmente inimigos. O filme não chega a nenhuma conclusão, espelho do conflito que se eterniza, e neste ponto Spielberg é um produto do seu tempo. As pistas para reflexão que Spielberg fornece redundam em nada. O regresso a casa, a importância de uma família a que se possa pertencer, ideia que se repete no cinema do realizador, é um dispositivo que de nada serve à narrativa em "Munique". Porque é precisamente a intransigência dos dois lados na defesa do seu direito ao solo pátrio, a uma terra, a uma casa, que impede que seja construída qualquer ponte que una povos que originalmente conviviam em paz. Isto, Spielberg percebeu; não é uma questão de religião. É outra coisa mais profunda: a raiz que nos prende à terra.