Entrevistas
Arquivado sexta-feira, fevereiro 17, 2006 por Sérgio Lavos | E-mail this post
A mão ao escrever no papel. A voz falando sobre a escrita. Escrevemos sobre coisas que parecem se tocar, mas que a maior parte das vezes pouco se aproximam, quase sempre por vontade do escritor que decide falar sobre esse "ofício de sombras", como já alguém lhe chamou. No suplemento do Diário de Notícias, 6ª, António Lobo Antunes uma vez mais fala. E isso é, também, e sem falsos pruridos, admirável. Apesar da sensação de esvaziamento da importância da entrevista, consequência da repetição a cada livro da ronda dos jornais, o jogo a que o escritor se predispõe de bom grado, sabe-se lá por que resignação ou vaidade. As frases voltam, e na entrevista de hoje Lobo Antunes chega a ironizar com isso. Mas tudo - uma obra - se pode concentrar nas respostas condicionadas pelo entrevistador. O de hoje, a também escritora Ana Marques Gastão, acertou em quase tudo, faltando-lhe talvez um pouco mais de atrevimento e menos medo nas perguntas. Mas eu sei que o escritor pode ser intimidante. O que acaba por jogar a seu favor é a personalidade extrema. A arrogância. A inteligência manhosa, usada em favor de uma obra que está longe de suscitar unanimidade. Mas António Lobo Antunes fala como ninguém daquilo que escreve. Sobre o acto de escrever. Sobre a escrita dos outros. Acima de tudo, nota-se no intervalo das respostas uma sabedoria que lhe permite medir a distância entre entrevistado e entrevistador e procurar a pergunta certa, quase como se encaminhasse o entrevistador para as respostas que estão preparadas de antemão, ou mesmo resgatar respostas de outras entrevistas. Gonçalo Tavares é outro exemplo de argúcia como entrevistado. Certeiro como o é nos livros, cativa pelo discurso que não cede à confissão fácil ou ao simplismo apressado que é hábito da maior parte dos escritores. Voltando a António Lobo Antunes, a sua destreza como entrevistado consegue ser por vezes mais prazenteira que a leitura dos seus textos, e esta afirmação não contém nenhum indício de voyeurismo. Porque ele se repete, esconde, simula, finta o entrevistador. Frequentemente cai na auto-complacência, na deselegante imodéstia, no desprezo provocador por outros escritores (Saramago, disse?). Mas mesmo que não se concorde com nada do que diz, o tom de conversa que ele consegue imprimir às entrevistas, por si só, seria digno de admiração. Como se tivéssemos a oportunidade de entrar em casa de alguém que, para além das qualidades de escritor, possui uma visão certeira do seu mundo. Falo de estilo, de forma. O conteúdo é outra história.