Existe um caso que recentemente me tem incomodado: a gripe das aves. Mas que caso é este e porque incomoda tanta gente? Incomoda e assusta porque se fala na possibilidade (não realizada) de uma mutação do vírus e do contágio entre humanos. Este positivismo científico é, na verdade, um não-caso, um facto não-real, pois não há verificação de contágio mesmo entre quem tenha convivido de perto com as vítimas. Não quero parecer demasiado despreocupada ou talvez até inconsciente, nem mesmo retirar a importância da informação, mas gostava de compreender as origens deste medo. E recordo as palavras de Santo Agostinho: sobre a nossa morte podemos afirmar que é certa mas a hora incerta.
A gripe das aves transmitida entre humanos é um não-acontecimento que incomoda e atemoriza porque os jornais e telejornais ao referirem um não-acontecimento escondem outro subterrâneo e que sempre está lá: a incerteza do futuro e a previsibilidade da morte. Noticiar a incerteza do futuro é o motivo para o pânico. O que seria da normalidade da vida se os telejornais abrissem com notícias reais de pessoas que foram surpreendidas, e que ao atravessar uma estrada, ao descer umas escadas, ao ligar um electrodoméstico, encontram a morte? Este tipo de pensamento pode levar qulaquer um a deitar a agenda para o lixo. O que aconteceria se estas fossem as verdadeiras notícias do dia? Criava-se um clima de medo por simplesmente se existir.
Mas a gripe das aves é um não-acontecimento, como o é um atentado ao Domingo. Até que aconteça não é real, não há exemplos demonstrativos. Por isso tentamos dar a volta, compreendê-lo, e se não o fizermos suspendemos o futuro, a vida. É desmarcar encontros, compromissos, ficar à espera. Parece-me bastante razoável que ninguém o faça. Porque viver pode ser tão perigoso como um improvável vírus.
[Susana]