entra no escritório, traz na mão um papel, fuma um cigarro,
- então diga lá,
e eu curioso sobre o papel que ele traz na mão, ao fundo as gelosias ardem o seu verão,
- então diga lá,
eu pego no gravador, tossico, um cheiro subtil invade a divisão, o homem de rosto fechado senta-se, e eu lembro aquelas rugas no sorriso do meu avô,
-eu gostava que isto fosse demorado,
digo, ele tossica, e a seguir respira fumo, a cinza cai no tapete persa coçado,
em tempos ele disse, noutra entrevista, que as tias, já perto da morte, dava-lhes para acenderem velinhas para tudo quanto era morto, os pais, os pais das criadas,
-queriam ganhar o Paraíso com velas,
gracejo, e ele sorri, adivinho uma palavra, ele hesita e nada diz, levanta-se, vai até à janela e afasta as gelosias, o trânsito amortecido pela cidade entra na sala, é verão e ele diz,
-comece lá, que eu preciso de acabar isto cedo,
eu ligo o gravador, olho-o nos olhos, o papel que ele trazia nos dedos é amarrotado e atirado com vigor para um canto perto do sofá castanho, ainda vou a tempo de ver a palavra,
"entra no escritório, traz na mão um papel, fuma um cigarro"