Um aspecto intrigante da entrevista que José Gil deu à Pública no passado domingo foi a incerteza confessada ao jornalista em relação à publicação da obra. A justificação que ele dá para esta hesitação é da ordem do conteúdo; pareceu-lhe arriscado transpor para um discurso ensaístico a conversa de café, a lamentação portuguesa que, nos dias que correm, aumenta exponencialmente no nosso país. Terá José Gil notado que o tom do seu texto se aproxima muito daquilo que é criticado? Por outras palavras, será o conteúdo da obra mais um tijolo no edifício do típico pessimismo português? Ao confessar as suas dúvidas ao jornalista, José Gil mostra que sabe em que águas se movimenta. O jogo de toca e foge que ele faz ao longo do livro é produto disso mesmo. A feroz crítica da não-incrição irá inscrever-se na sociedade, ou passará por baixo da ponte sem deixar rasto? Esta é a maior questão que o livro levanta. Apenas quando a obra cumprir a sua função de consciência de uma sociedade podemos dizer que serviu para alguma coisa. Se isto não acontecer, será mais um exemplo da não-inscrição do português no mundo que o rodeia. O livro vende, pois vende, mas quem o compra, e que uso as pessoas vão fazer dele? Existem já variadas
leituras, as primeiras críticas negativas também já se ouvem e lêem. Eduardo Cintra Torres, por exemplo, escreveu uma
pequena crónica no Público mostrando como caiu na teia urdida pelo filósofo. Acusa-o de, ao escrever esta obra pessimista na aparência, mover-se no sistema que critica, encarnar o papel do intelectual que, de fora, aponta os erros, e nada faz para os corrigir, prestando-se à inacção. Ora, ECT não percebeu a obra de José Gil. Uma das características do espírito português mais visadas no texto é precisamente o nacional-porreirismo, a afirmação do país dos brandos costumes. Vamos lá todos dizer bem alto que afinal isto nem está assim tão mau, o tipo é um pessimista sem emenda, um intelectual que não se interessa pela resolução dos problemas. Erro crasso, este. A crítica da não-inscrição servirá como uma espécie de descrição de sintomas; a discussão que se seguirá será o verdadeiro contributo para a acção que ECT pretende. E qual é a verdade no livro
Portugal, Hoje-O Medo de Existir?
(Continua)