Conheci alguém que conheceu alguém que se matou aos 33 anos, enforcado numa figueira. A quem ele conhecia dizia há muitos anos que seria com essa idade que tudo se iria resolver. Tinha 33 anos e gostava de Joy Division, e era músico. Imaginei-o, a primeira vez que ouvi esta história, dependurado e talvez liberto do colete de forças da loucura. Talvez colete de forças não seja o termo apropriado. A esquizofrenia será um fogo incontrolável, que tudo consome purificando, deixando apenas cinza, terra queimada, aberta à produção, ao crescimento. Há poucos dias, há vinte e cinco anos atrás, Ian Curtis apareceu na ponta de uma corda, suspenso da morte. Antes, a banalidade dos minutos retesados sobre a vida, antes, a repetição de gestos, uma definição de fronteira deixando de fora todos os que habitavam no exterior, antes, o cerco a si próprio, o isolamento além de qualquer chamamento. Deixei passar a data, deixei passar o concerto de New Order, quem sabe o que perdi, o que ganhei. Ouvi Joy Division pela primeira vez quando tinha 13 anos, e não compreendi. Aprendi a gostar, e tudo passou pelas palavras. De Ian Curtis. Letras que são poemas, paisagens onde nada cresce, desolação. O homem que se enforcou era amigo do amigo que me deu a conhecer Joy Division. A história do esquizofrénico fixou-se, e ressurge sempre que ouço Joy Division. Imagino o silêncio que se seguiu, o corpo oscilando na noite (é sempre noite, quando ouço Joy Division), um intervalo estendendo-se para além de todo o limite possível. Entrando pela morte dentro.