Tudo o que vale a pena não está aqui.



O amigo Franz #1


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O homem que caminha rente ao muro projecta a sua sombra sobre a cal. O sol não o toca. Alguns quilómetros atrás, ficou surdo. Olho o seu rosto agora, limpo de som, e invejo a sorte que teve. Um momento antes de ter perdido o dom que deus doara, olhava para o rio faiscando. Fora expulso de casa com uma mão à frente e outra enterrada no bolso. No outro bolso, o de trás, nas calças, colocara, ao ser repreendido pela mãe que há muito morria na tarde, um papel com a morada. O local seria ermo, o local estaria afastado de tudo o que era conhecido ao olho humano, o local se evidenciaria sem nenhuma sombra de dúvida. E o dia nascera auspicioso, como uma fonte acabada de brotar. Noites de insónia que pareciam intermináveis seriam coisa do passado, paradas numa margem desconhecida da memória. Dormira em tempos em camas que tresandavam a suor, enfestadas, dormira acompanhado de enormes baratas de longos braços e olhos penetrantes. O pior foi quando esteve apaixonado. O problema fora ter sobreavaliado as suas capacidades. Do seu canto no jardim, uma rapariga de belos olhos de azevinho espreitara-o. Descuidara dos seus mil e um cuidados e vergonhas e avançara destemido. Ela sorrira. E foi assim. Nos braços da sua mãe, quando crescia, sentia-se seguro. Apaixonar-se era como perder-se num bosque denso e molhado como um bolo de chocolate daqueles que a tia fazia. Imaginou, noites e noites seguidas, que dormia aconchegado na penugem morna da rapariga de olhos de fera amansada, atraiu a insónia de caminhos onde há muito a maldita se perdera. Quando ela partiu, lembrou o dia em que cegara num futuro que corria sereno e, encostado ao muro, adormeceu. Mas, do outro lado, outras vidas acordavam.


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