Água parada, ainda agora te disse, água estagnada e nós presos na sua margem, tentando manter a todo o custo o equilíbrio, árduo de conquistar, vemos distorcido o nosso reflexo na sujidade das águas, e sentimos o apelo do mergulho: de músculos tensos, provamos até à exaustão a existência de deus, como se naquela praia onde em tempos nos aguentámos até ao limite das forças, à espera de um sinal menos ténue que o amanhecer das tuas mãos no meu corpo, um objecto sólido ou transitoriamente líquido, por vezes a tensão do rio é tanta que nos prende, como se na areia ainda se mantivesse de pé a casa a que, tu, desobedecendo às regras naturais, decidiste chamar árvore, confundindo pedra com matéria vegetal, argamassa com a seiva que circula, os ramos crescendo em desalinho com a ordem apriorística dos quartos onde a casa se prova. Água onde quase mergulhamos, a medo, será melhor conquistar cada centímetro de margem, esperar um pouco, digo-te. Olho para o reflexo na água, no emaranhado de pele descubro a presença que intuía: mudamos sazonalmente, e nessa passagem esquecemos o anterior estado, como as mariposas (que ardem cativas de um desejo desconhecido) ou as serpentes, mas estas (julgo) conseguem recordar a pele do verão passado, e que guardamos nós, de um ano para o outro? Senti que na água os átomos continuam a ser, filamentos que se estendem até ao leito fixando a sua raiz no lodo. À superfície, pontas brilhantes dançam e caímos no mesmo erro de sempre: tomamos a parte pelo todo. A margem onde pensámos reencontrar os vestígios de uma pele antiga, a areia polida que os nossos pés pisaram, a água estabelecendo uma fronteira de tempo entre corpo e casa, o tempo agora e a memória de um tempo que ilude, desconfio que nunca terá existido. Água parada, morta.