Caro Henrique,
não quis duvidar da sanidade ou do bom-senso daqueles que agora vão votar Cavaco. Nem sequer questionar as razões do desvio natural para a direita que acompanha o envelhecimento. Exemplos há que demonstram que essa é que é a ordem natural das coisas. Namorar na juventude a extrema-esquerda para acabar na direita ultra-liberal ou conservadora. Acontece. Quando adolescente os meus interesses focavam-se em raparigas da minha idade, mas sei que aos 50 o mais provável é viver de forma civilizada com uma mulher também de 50. Sabemos detectar determinados sinais, no entanto. Os que defendem com unhas e dentes uma ideologia (extremista ou outra) aos 20 irão continuar a fazê-lo aos 40 e 50. Durão Barroso perseguia ferozmente o mínimo desvio dos "compagnons de route", agora defende afincadamente os seus interesses, que por sinal são os interesses de um capitalismo que explora as classes pelas quais ele lutava na altura do 25 de Abril. Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes, militantes activos do MRPP nos anos de loucura revolucionária, apoiam a ocupação do Iraque e a liberalização total da economia com a mesma eficácia com que defendiam há trinta anos a internacionalização do comunismo e a estatização de toda a economia. Existirá uma contradição nesta mudança? Não. Os esquemas mentais são os mesmos. A intransigência na adoração de uma autoridade superlativa (Mao ou Bush) e a falta de pudor na utilização de métodos de desinformação e branqueamento do que não interessa na defesa de uma posição ou ideia são os pilares do pensamento desta nova ordem de ex-esquerdistas, por vezes denominados também de neo-conservadores. E depois, há os oportunistas. Como Pina Moura. Ou Zita Seabra. Ou. Mas não sejamos ingénuos. Pina Moura joga o jogo dos interesses como o fazia no tempo do Partido, quem conhece a dinâmica interna do PC sabe do que falo. Um camarada será sempre a primeira opção para um subsídio, ou uma vaga na empresa, ou um departamento municipal. Não há lugar para surpresas na actuação destes ex-comunistas. Os métodos mantêm-se inalterados. A pior coisa que pode acontecer a um radical de esquerda é uma melhoria gradual do nível de vida. Um filho de proletário luta contra duas coisas: as suas origens modestas e a mentalidade proletário-pacóvia. Penso que poderá ser este tipo de tensão que leva ao voto em Cavaco. Édipo reformulado. Mas sim, claro que defendo o direito à diferença de opinião. Sou um democrata. Sem sarcasmos.