Tudo o que vale a pena não está aqui.



Geração Rasca (3)


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Caro Henrique,

mencionaste um dos mais evidentes exemplos do funcionamento condicionado da política em Portugal. Mário Soares fez do queixume uma das imagens de marca da sua campanha, denunciando o tratamento previlegiado que as estações de TV têm dado à candidatura do putativo entronado Cavaco, e não é que nesta ele tem razão? Olhar para o barómetro diariamente publicado no DN constituiria prova do que ele afirma, mas parece-me que o problema não são só os minutos dedicados à cobertura da campanha de Cavaco, basta ver os telejornais num dia, qualquer dia, e dispensar alguma atenção ao tom e ao estilo das reportagens que os jornalistas produzem. Preocupações gastronómicas à parte, importa prosseguir sobretudo numa direcção; o objectivo primordial parece-me ser acima de tudo o denegrir da classe política, e os homens dos media sabem fazê-lo como ninguém. Textos que não hesitam em recorrer ao trocadilho, à piada fácil, à captura do momento fatal que mostre ao povo o ridículo do político. Mas há diferenças de tratamento, claro que há, e nisso a esquerda tem razão, e quem desmente o facto ou é cego ou age imbuído de má-fé. Soares visita pastelarias, bebe e come pantagruelicamente, e no final dorme a sesta, Jerónimo dança e ataca os adversários de esquerda (pecadilho fatal, sempre), Alegre embarca no turismo de teor necrófilo, Louçã irrita-se e é acusado de demagogia quando fala do povo. Cavaco, esse, prossegue a sua romaria pregando a convertidos que se juntam em "banhos de multidão", "enchentes", "mares de gente". De comício em comício, de arruada em arruada ele avança como se a campanha se tivesse transformado numa formalidade com o único e exclusivo fito de explicar à população as virtudes do próximo presidente. Com aquele seu jeito de esfinge sofrendo de eterna obstipação, encena movimentos de Abril, subindo a carros (em vez de chaimites), seduz o povo de esquerda cantando a "Grândola Vila Morena", ensaia discursos escritos por outros com frases grandiosamente bacocas, sem o mínimo de conteúdo ou substância. Soundbytes debitados ao ritmo de Evita em passeio, a caminho da imortalidade. Um exemplo mais, e desta vez retirado da imprensa escrita: na terça-feira, DN, Cavaco e Soares em duas páginas seguidas. O primeiro, encavalitado num carro, acenando ao povo que procura tocar o semi-deus de forma ávida, o segundo de garrafa de champanhe na mão, com ar de idoso amigo da farra, olhos gastos e cansados, a imagem pura do político sem crédito. Agora, claro que isto não é inocente. Não podemos afirmar que Soares se dispõe a estas situações, que sabemos nós dos critérios que presidem às escolhas dos editores do DN? De entre dezenas fotografias à escolha, porquê aquelas duas, em concreto? A carga simbólica que emana da pose dos dois candidatos é evidente, não há inocência neste tipo de decisões. Cada vez mais acho que a propalada descredibilização da política é uma fabricação de uma imprensa que cada vez mais tende para o tabloidismo e que muito longe anda do tom neutro que, julgo, deve ser a essência da ética jornalística. Um cínico diria que isto é impossível. Concordo, em parte. Mas mostrar reportagens que não passam de artigos de opinião (escritos ou visuais) não me parece que jogue a favor do crédito dos próprios jornalistas. Tempos modernos, em que a verdade assume contornos, ganhando nitidez apenas quando afirmada pelos modernos jornalistas, os opinion makers do nosso contentamento. E o povinho, óbvio, engole tudo. Devêmo-lo, também, a Cavaco. Bem-haja.


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