Não que tivesse de ousar uma razão para voltar, agora depois de ter feito um favor a mim próprio e... no entanto depois da vitória sem sabor do S.L.B. teria pouca vontade de mergulhar as mãos no esgoto e daí sair coberto de dejectos orgânicos, revolvo em pirueta e reconheço que orgânico é o mundo em que sou obrigado a resistir, vamos ao festim inútil das coisas que dizem viver. O caso das crianças que torturaram, violaram, e gozaram, que é isso do prazer, gozaram com a morte do outro. Também eu retirava prazer da morte das formigas ardendo sob a lupa, é claro, quem diz que a violência é qualidade exclusiva dos adultos? Facto um, havia um desgraçado que se arrastava pelas ruas do Porto, esperando a morte sem qualquer esperança, lugar-comum e repetido; facto dois, um grupo de delinquentes que por acaso são menores diverte-se a acabar com os restos que se passeiam, apedrejam-no, como o fazia em tempos a boa sociedade, e quase o matam, deixam-no à mercê dos desígnios de um deus ausente, por fim acabam com o sofrimento, e como se faz a um cão atiram-no para um poço: facto três, a polícia, diligente, faz o seu trabalho, mas dá de caras com o sistema que diz que apenas devem ser julgados maiores de dezasseis anos, e será que eles sabiam, será que alguém duvida que eles soubessem? Facto quatro, o mais relevante nesta história, as televisões acercam-se dos detritos e debicam na podridão, atarantam-se, confudem-se, festejam até mais não recorrendo ao ar compungido do costume, onde já vimos isto? Repetem-se as frases, salvo erro o texto mais sábio que vi escrito é o achado de Woody Allen lembrado por Ivan Nunes no blogue
A Praia: a questão não é saber a razão de isto ter acontecido, é pensar por que é que isto não acontece mais vezes. Exagero retórico, todavia, a frase refere-se ao Holocausto, a inequívoca prova da inumanidade do ser humano. Facto cinco, o que é importante? A caracterização de quem morreu, as etiquetas coladas sem critério ao sem-abrigo, ou o acto em si, e as motivações de quem o fez, as circunstâncias? Qualquer conversa sobre crimes de ódio esbarra na pergunta, porquê? Porque talvez, e apenas talvez, a sociedade desculpe a violência contra quem à partida já está de fora, e desculpa a violência de quem também se exclui, a verdade é esta: as boas consciências não querem saber nem dos delinquentes empurrados para o crime que matam nem dos sem-abrigo que são mortos, ou melhor, a boa sociedade apenas se interessa enquanto uns e outros são notícia de abertura de telejornais e tema de conversa de café (ou, para todos os efeitos, de blogue), quem quer saber do lixo que se varre para debaixo do tapete? Como um barco descendo a corrente, arrastando para a margem os escolhos que impedem a fluidez das nossas perfeitas democracias, dos nossos infalíveis sistemas? Os indícios, não serão suficientes?