Tudo o que vale a pena não está aqui.



Homens sem Luz


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Gostava que existissem mais livros como o primeiro de João Tordo, O Livro dos Homens sem Luz, gostava que a literatura portuguesa se deixasse de francesismos e loboantunismos, crescesse e ocupasse um espaço visível no mundo. Não é preciso ser-se génio para se escrever um bom livro. Basta trabalhar muito, tirar-se alguns cursos de escrita criativa em Inglaterra ou nos E.U.A., ler bastante (Paul Auster, Kafka, clássicos de terror) e também ver muitos filmes. (De Hitchcock, principalmente.) Quatro novelas que acabam por somar um romance, estórias de homens que deixaram de ser visíveis, sumiram-se na penumbra da vida. O livro começa bem, o primeiro parágrafo dá o tom para o que se vai seguir, e o que se segue é a história de um homem que perdeu tudo num incêndio e isola-se numa casa, começando a espreitar o prédio em frente, onde um estudante sofre de insónias, provocadas pelo vizinho que durante toda a noite não para de andar de um lado para o outro no quarto. Este homem tem um trabalho a fazer, que é seguir pessoas e descrever minuciosamente os seus passos, registar tudo, e depois entregar estes registos a um homem que apenas pode contactar através do telefone. A segunda estória evoca a Segunda Guerra Mundial, contando o mergulho na loucura de um homem que se vê preso num abrigo subterrâneo depois de um bombardeamento. A terceira estória remata a primeira e a quarta remata a segunda, e todas acabam por se interligar no final; há personagens que se repetem, duplos que se multiplicam, espelhos que reflectem imagens de época para época. Parece-me que este livro não vai vender muito, nem vai conseguir o reconhecimento crítico que merece, pela razões erradas: sai da linha do gosto crítico porque consegue chegar, com a ajuda de uma escrita simples, anglo-saxónica, onde poucos autores chegam. Este livro tem mais a ver com o prazer de ler uma boa estória, e por isso aproxima-se muito da literatura popular do séc. XIX, do que com o prazer do texto de que fala Barthes. A redundância, o gongorismo, o abuso repetitivo, a opção por um aprimoramento da linguagem em desfavor do desenvolvimento das personagens e do enredo continuam a fazer escola na literatura portuguesa, e por isso é que, ressalvando algumas excepções, não há vitalidade nos escritores portugueses. O Livro dos Homens sem Luz não será perfeito, mas há muito tempo que não lia uma primeira obra de um autor português que me cativasse tanto.


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