Tudo o que vale a pena não está aqui.



O tigre Borges (1)


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Surgia de rompante, assustava os tratadores, ainda que eles não o temessem. Os seus movimentos eram fluidos, esguios, certeiros. Procedia como se a casa lhe pertencesse, mas a casa continuava inacessível, não a possuía. Havia vastas áreas vedadas ao seu conhecimento, sítios mal-iluminados, corredores encerrados em si próprios. Os tratadores também não o podiam ajudar. Estavam confinados ao salão, as portas esquivavam-se ao contacto das mãos, por vezes a casa amanhecia sem entradas nem saídas, as paredes cobriam-se de desígnios mudos, escondiam-se dos olhares que as procuravam. O que poderiam eles fazer, no fundo? Apenas vigiar-lhe os gestos, as intenções, observar as infinitas incursões que fazia pela casa, as decepções, as desistências. Havia dias em que ele os ignorava, desenhava um rosto triste que cobria os cantos do salão. As sombras, nestes dias, dormiam atemorizadas numa pequena divisão ao fundo do salão, a única que tinha uma porta que estava sempre aberta. Os seus saltos iam mais alto, elas escondiam-se e sonhavam com uma casa onde os corpos não crescessem vindos do nada, onde ele não habitasse, um mundo exilado do mundo.


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