O tigre Borges (5)
Arquivado terça-feira, fevereiro 08, 2005 por Sérgio Lavos | E-mail this post
Não conseguiu de início vislumbrar mais que um movimento furtivo na penumbra. Pensou que, se esperasse um pouco, os seus olhos acabariam por se habituar à escuridão. Estranho, o medo desaparecera. Sentia uma inesperada segurança, o seu corpo relaxara, quase não ouvia o coração por baixo do pêlo. Em redor, a sala revelava-se. Estantes ocupavam as quatro paredes da divisão, crescendo até ao tecto. Não havia um espaço vazio nas prateleiras, livros de vários tamanhos, idades, acumulavam-se, alguns de modo desordenado, outros perfeitamente encaixados na madeira. Uma poeira transfigurada pela claridade que ressumava por trás dele pairava por todo o lado, e um cheiro morto, a tempo ultrapassado pelo tempo, colara-se ao corpo. Passados alguns minutos, o tigre continuava imóvel. Pressentia que algo vivia no movimento que notara ao entrar. Não, não voltara a sentir medo, mas uma súbita falta de vontade tolhia-o. Empurrou a porta atrás de si um pouco mais, e um pouco mais de luz invadiu a escuridão. O canto escondido surgia. Via, finalmente.