Como disse o outro, e parece que é uma das verdades
do pensamento ocidental, penso logo
eu logro, mentira com todas as letras, e todos
os dentes, fonemas, cada dente um fonema gritando
mudo sou não sou, e entro pela água dentro.
Nela morremos, e nela sonhamos,
eu sonho água ela aparece, e adormece as minhas mãos
e os meus dentes mentirosos, tão real é este poema coxo
como o sonho onde o mar revolto e negro,
Descartes, quem pode saber? nunca esteve na falésia
deserta olhando a treva marítima, o sangue espesso
nas águas flutuando, amor, e tanta morte em todo o leito
da terra, todo o oceano. Do rio cospem os peixes seu ventre,
e no alcatrão as penas, asas cortadas, colam-se sem remédio,
desastre ecológico é não poder amar com todos os orifícios do
corpo, químico e orgânico, DDT e fezes transformam-se em corpo
vivo, enérgico, em anzol algum essa boca vai morrer,
apenas em meus lábios, e algas-lábios que se enrolam
nos peixes estrebuchantes, e na língua, para ti
a voz
é palavra digo aquele dia
em que nosso pai entrou em casa, trazendo
no balde enguias mortas para o jantar, e
tu te aproximaste e tentaste pegar nelas,
disseste-me depois, e para nosso profundo horror,
que tinhas descoberto Deus naquelas enguias.
Pobres animais! Como poderão eles explicar a
palavra mais vasta e mais vazia, eliminar o objecto deus
é a nossa perdição. Portanto, não te acreditei.
E por isso, anos mais tarde, duvidei quando me disseste,
amo-te
como poderá a mesma boca dizer
descobri deus
e
amo-te
De volta a mim, o sussurro indolente do verso
serpenteia como uma enguia no meu dorso.
Que outra luz é essa, de onde a espinha sai,
dividindo-se em duas, na matança à beira-mar,
quando os homens arrastam as redes, encontrei
um colar onde o logro se desvenda,
e então vi, como Pedro, que esse logro escondia outro
logro, e nada que eu pudesse encontrar,
desde aquele momento, conteria em si
o veio da verdade.