Uma adenda a um
post anterior: há uma pérola escondida no livro de Paul Auster, a estória verídica contada por John Trause. O irmão da sua falecida mulher (Richard) um dia encontra-se com ele, um pouco a contragosto de Trause, e, a determinada altura, começa a contar uma estória. Certo dia, ao vasculhar no meio de tralha antiga, encontra um visor 3-D, uma máquina popular nos anos cinquenta que permitia ver fotografias em três dimensões. (Julgo que não erro se acrescentar que estes aparelhos também passaram por cá nos anos setenta, princípio dos oitenta. A minha memória não me oferece certezas absolutas.) Dentro do visor, encontra uma fotografia de juventude. A única pessoa que ainda vive, do conjunto que é retratado (pai, mãe, irmã) é Richard; para além disso, a maior parte das pessoas que estão presentes na festa onde a fotografia foi tirada também já morreram. Richard fica abalado, é tomado pela nostalgia. Esta nostalgia transforma-se em obsessão, e Richard passa todas as horas livres encerrado na cave, espreitando um passado impossível de recuperar. As imagens, redimensionadas pelo visor 3-D, tornaram-se realidade. Até que um dia, a máquina avaria-se. Deixa de ser possível o visionamento dos retratos. Richard chora, ao contar isto a Trause, e este promete-lhe que irá tentar encontrar um aparelho igual ao que se partiu, emociona-se com a derrocada de um homem que parecia duro e insensível. Trause esforça-se, procura em todo o lado o visor, e quando finalmente julga ter encontrado algo de interessante para o cunhado, descobre que ele já não está interessado. Fez o luto. Pela segunda vez. O luto das pessoas que morreram, o luto da sua própria vida que passou. Belíssima estória, que vale a pena ler na versão de Paul Auster. Coisas que encontramos no meio da limalha.