Tudo o que vale a pena não está aqui.



O hype


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Como funciona? Aproveita-se de quê? A relação que existe entre a qualidade de um projecto musical e a sua exposição mediática será regular, sem deformações decorrentes do mediatismo saloio? Falo de música pop, claro. E quando digo pop, penso em toda a música com o objectivo de ser consumida por um determinado público de uma maneira rápida, sem ruminações posteriores. Nisto se distingue da música erudita, acessível a poucos, compreendida apenas por melómanos. O jazz e o blues são a raiz de toda a música pop, e desse modo fazem a transição entre as duas formas de expressão acima referidas.

Uma das dificuldades que me assaltam é perceber porque gosto de uma coisa e não de outra, as razões que validam os meus instintos. A grande massa de ouvintes não se preocupa com estas questões. Ouvem e gostam ou desgostam, apenas, sem qualquer tipo de preocupação ontológica nesse gosto estético. Longe de ter chegado a uma conclusão, acabo por entender determinadas coisas: que tudo tem a ver com o mood, a disposição. O tempo, a idade, a altura do dia. A luz ou a noite, a chuva ou o sol. Tem também a ver com a ausência ou a presença de substâncias libertadoras da personalidade no sangue; tem a ver com o dia seguir a essa presença. E, nesse momento, começo a aceitar que os meus gostos são definidos pela memória, por aquilo que me fez chegar a este presente, hoje. Há aquela fase em que ouvimos tudo e vamos selecionando aquilo que mais nos agrada, o que nos toca mais, o que parece fazer mais sentido. Tudo de uma forma instintiva, pura e ao mesmo tempo impura, porque influenciada por aqueles que nos rodeiam, por aquilo que lemos, pela intuição daquilo que queremos ser. Chego assim a uma conclusão que abala a certeza que sempre tive: o gosto, o meu gosto, é guiado por valores absolutos. Mas o absoluto de que falo tem como alicerces a completa incerteza, a relatividade estética total. Tivesse eu crescido noutro ambiente e concerteza me interessaria por sons completamente diferentes. Agora, não posso vacilar nesta ditadura do meu gosto, apesar das suas origens incertas. Porque a música (e já agora, tudo o que me interessa noutras áreas) é parte fundamental da personalidade, do ser humano em construção que vou sendo.

Posto isto, o que é o hype? Poderá ser o gosto dos outros, definido e perfeitamente sedimentado, a ser imposto aos milhões de ouvintes que ainda procuram o seu próprio gosto. E antes do processo começar, temos os patrões da indústria musical a mexer os cordelinhos, a pôr a máquina em andamento.

Esquecendo por um momento a massa indiferenciada dos consumidores ocasionais de música, posso acrescentar que o papel dos críticos é importantíssimo na divulgação, faz a ponte entre os projectos e o ouvinte crítico, que espera encontrar sempre qualquer coisa nova que possa alimentar a fome constante de coisas novas a que a música pop está quase sempre associada. (Esta é outra diferença em relação à música erudita: o amante desta última não se preocupa com a novidade, porque cada nova audição da mesma peça traz uma sensação diferente da anterior, a complexidade é exponencialmente superior em relação à música pop). Mas o ouvinte associa sempre a escolha do crítico à sua própria escolha. Cada nova banda terá que ter sempre afinidades com aquilo que ele já conhece, compreende. É por isso que o hip-hop nada me diz, por exemplo. Uma das últimas desilusões que apanhei (já há algum tempo) foi o álbum duplo dos Outkast, incensado em tudo quanto é sítio. No fundo, mesmo que aceitemos ouvir coisas absolutamente novas, acabamos sempre por cair na familiaridade daquilo que já conhecemos. Procuramos a semelhança, desconfiamos sempre da diferença. (Dou o exemplo de Bjork para explicar melhor esta última ideia: concedo que o seu último álbum será realmente definidor de novas fronteiras - como o são, aliás, os anteriores - mas continuam-me a escapar muitos pormenores, tudo o que tem de diferente).

O hype será assim um fenómeno de contaminação de um público alargado com origem num grupo muito restrito. Exemplos abundam, mas tudo muda em pouco tempo. Os Franz Ferdinand, por exemplo, adorados pela imprensa e por uma certa fatia de juventude que se auto-denomina alternativa (seja lá o que isso for), irão dentro de pouco tempo vender tanto como uns Coldplay; quem gostará deles nessa altura, para além dos milhões que compram os discos? E os Arcade Fire, atingirão algum dia o estatuto dos Coldplay? Parece que também são queridos dos U2, como estes últimos e os Franz Ferdinand. Meio caminho andado para o esquecimento crítico, é bom de ver. E nisso, és capaz de ter razão.


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