O medo de dizer (2)
Arquivado quinta-feira, janeiro 20, 2005 por Sérgio Lavos | E-mail this post
O que é a verdade na obra de José Gil? Das várias ideias fortes, duas se podem evidenciar: o medo, herança antiga, anterior mesmo ao Estado Novo; a descontinuidade do tempo, e a consequente elisão do passado e opacidade do futuro. Mecanismos vários constringem o português, impedem que ele se abra ao mundo. Para o filósofo, a ilusão de fuga passa pelo espaço mediático. O exemplo que ele dá, logo na abertura do livro, é flagrante; o apresentador que encerra o telejornal dizendo: "É a vida!", atrai o espectador para o vórtice da televisão, oferecendo-lhe um espelho onde a sua imagem aparece reflectida. A amnésia das coisas é por sua vez esquecida em consequência desta identificação com as imagens que passam no ecrã. Isto é, a importância que a desgraça da não-inscrição poderia ter para o português é iludida pelo virtual, simulacro da realidade. A tragédia grega emerge assim, nos nossos tempos, com as suas regras completamente invertidas, baralhadas. O riso é provocado em nós por aquilo que devia ser tragédia, que é a exposição da intimidade ao mundo. E o que devia trazer a comiseração, o pathos, apenas traz o riso. Onde vemos isto tudo? Na televisão. Que é por sua vez o palco por excelência do animal político, retrato miserável de todas as fraquezas e defeitos dos portugueses. Da Cadeira do Poder para a cadeira do poder em pouco tempo. O que antes era exemplo, grandeza, tornou-se alvo de riso geral, chacota fácil, cheque mensal dos humoristas do nosso país.
(Continua)