Tudo o que vale a pena não está aqui.



Achados e Perdidos #12


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Gustav von Aschenbach?

Almejar a perfeição pode ser, muitas vezes, inglório. Quem escreve sabe disto, eu que também tento dou-me conta que estar sujeito ao escrutínio de alguém que não tem contacto directo comigo pode ser amiúde constrangedor, auto-censório. Há que escolher com ponderação, sabedoria, as palavras, e que sei eu das palavras, elas fogem, esvoaçam por vezes demasiado em redor, inalcançáveis. (Esta última frase não faz juz, por exemplo, à ideia que eu queria transmitir. Se isto não fosse um blogue, se tivesse mais tempo - ou paciência - para emendar, reescrever, quantos textos não seriam diferentes, quantas palavras?) O que me consola é conhecer bem demais as imperfeições dos outros. Acabei de ler o romance Sábado, de Ian McEwan, um dos que me olham bem lá de cima, e não posso negar que senti o sabor agridoce do desapontamento. Alguns furos abaixo do assombroso Expiação, tanto que dei por mim a pensar se não me teria escapado algo, um sentido oculto que McEwan tivesse deixado com o rabo de fora à espera que alguém o detectasse. Isto é, desloquei o sentido da desilusão para mim próprio: o mal poderá não estar no livro de McEwan, que sei eu da escrita de livros? Será que posso achar que o Vergílio Ferreira é, por vezes, descabido, exagerado, exageradamente metafórico, e que se calhar não consigo arrancar na leitura do Para Sempre porque simplesmente ele não é tão bom como eu achava há uns anos? Mas se da imperfeição pode nascer uma obra como O Processo, de Kafka, em que território é que nos movemos? Mas bom, falamos de literatura, o resultado de um processo de vagos contornos alquímicos, do qual não se conhecem os ingredientes, os reagentes, as quantidades justas a utilizar de cada um dos elementos. O que primeiro existe, de onde nasce, e como vive, como morre? Apenas consigo entender a música, a incompletude na música. Alguém se atreverá a terminar a décima sinfonia, de Mahler? E alguém achará que ela está por terminar?

(Quero deixar esta informação em adenda, não vou emendar o post: descubro através de uma pesquisa no google que alguém, neste caso o compositor inglês Deryck Cooke, ousou acabar o trabalho de Mahler, baseando-se em rascunhos deixados pelo compositor alemão. Lá se vai a minha teoria por água abaixo. Entretanto, lembrei-me da personagem do compositor do romance Amesterdão, também de McEwan. Aqui está um excelente retrato do esforço que o acto criativo acarreta.)


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