Dos intelectuais do Maio de 68, amantes de música clássica e chanson française, permeáveis a algum jazz mais canónico e ao blues cantado por mulheres com voz de veludo aos novos criadores com menos de quarenta anos, frequentadores habituais do Lux e conhecedores das novas tendências musicais, vai apenas um passo. As referências mudaram, de Leo Ferré e Jacques Brel passámos a Tom Waits, Nick Cave e Velvet Underground. A influência da beat generation na literatura portuguesa é mais visível no conteúdo da poesia actual, menos na forma. Desde Al Berto e António Franco Alexandre (primeira fase) que as referências directas e indirectas à cultura pop se multiplicam; Leonard Cohen, Bob Dylan, Jim Morrisson, Ian Curtis e Morrissey são os mais citados, directa e indirectamente. Estamos já muito longe das Lieder de Hesse, Rilke ou Goethe. A literatura, contaminada pela realidade envolvente, move-se num território de marginalidade, comum ao rock 'n' roll surgido nos anos 50. Uma mutação fundamental ocorreu: a poesia deixou de aspirar a algo, desde Rimbaud (ou Nerval, imediato antecessor) que aprendeu a olhar para baixo, em redor, a carne e as entranhas. E a melhor música pop passa também por aqui. A concentração, em três ou quatro minutos, de todas as contradições, toda a violência em que o mundo pós-moderno mergulhou. O espaço para o silêncio deixou de existir, a respiração extensa da música erudita já não faz sentido. A poesia actual espera ser, para todos os efeitos, o espelho das tensões a que o Homem está sujeito. Como o é a música pop. E estaremos assim tão distantes da poesia ao ouvir as palavras de Ian Curtis, Morrissey ou Bob Dylan?