Tudo o que vale a pena não está aqui.



O amigo Franz #2


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O que se escutava do outro lado do muro era, de certo modo, grave. Bem mais grave que o esperado, e o esperado era já muito grave. Franz, todos o conhecem, todos sabem quem ele é, e é, noventa por cento das vezes, um homem consciente das suas limitações. Se caminha à sombra do muro, sabe que não poderá, de modo algum, ouvir do outro lado da rua o homem do talho abrir a loja, todos os dias tão pontual como o salto do sol sobre o céu. Mas quando arrisca a aproximação, quando a curiosidade o arranca à protecção do muro, consegue ouvir ainda o homem do talho suspirar. É um som periclitante, desiquilibrado, mas sem vestígio de desespero, portanto sem sombra visível. O homem do talho, na semana passada, enquanto os ossos quentes estalavam ao sol, recordava uma ocasião em que quase conseguira captar, devagar, a tonalidade da laranjeira que crescia no quintal da vizinha dos seus pais. A sua mão direita, esforçada, dançara sobre a tela como um colibri. Um milagre mínimo, achava o homem do talho, acontecera dessa vez, fora a rapariga de tranças cortadas que lhe incuntira a força e a confiança. Depois a memória vacila, ele olha para a mão calejada. Quem poderia adivinhar a gentileza de obra que aquela mão produzira em tempos? Certamente Franz, se por acaso não tivesse temido a ameaça do sol, naquele dia em que o homem do talho recordou o dia em que pintara o movimento lento da flor da laranjeira a surgir do seu casulo verde. Mas Franz, todos o sabem, é um homem temeroso. Não, temeroso, não. Consciente das suas limitações.


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