A semântica do horror
Arquivado quarta-feira, janeiro 26, 2005 por Sérgio Lavos | E-mail this post
Este post não terá imagens. Este post limita-se a falar das palavras que deixam de existir na presença das imagens de horror de Auschwitz. Queria falar do silêncio que existe para além das palavras dos sobreviventes, daqueles que resistiram e escolheram o caminho das palavras como exorcismo. Apesar da minha aversão, irracional, à escrita do horror. Tentei ler, na adolescência, o Diário de Anne Frank, e fui derrotado. Há pouco tempo decidi entrar no livro de Primo Levi, Se Isto é Um Homem, e o medo de conhecer a alma humana superou a vontade de conhecimento. Portanto, convivo com as imagens, reais, ficcionadas, e evito a frase, a linguagem. Talvez porque a fotografia permite a distanciação, a ilusão de que aquilo aconteceu fora de nós, do mundo em que habitamos. Não digo que não seja insidioso, o sofrimento que perpassa nas imagens que todos conhecem. Mas não envolve, não nos atinge no estômago. Ouvir, dentro de nós, as palavras dos outros sobre a experiência da abjecção humana, torna-me vulnerável à impossibilidade do mundo, abre as portas à negação de tudo. E será isso que evito. A película que separa o passado do presente em que apenas existe a memória, ou nem isso, quebra-se na língua. A identificação das coisas, a nomeação das sensações que um escritor produz pode tornar-se insuportável, e admito que há muito de fuga nesta atitude. O que existe numa imagem? Um eco do passado, algo que não pertence ao espaço onde habitamos. Na ficção filmada, apesar da excelência de filmes como Schindler's List, apenas se produz uma evocação, uma espécie de celebração macabra, uma obra virtual que imita, palidamente, o real atroz. E quando falo de palavra, distingo palavra falada de escrita. O labor da linguagem concentra o horror, aplica camada sobre camada na tela, concorre para uma conclusão da obra que apenas se pode afirmar como sendo o que mais se aproxima do acontecimento em si, da realidade. Relatos de sobreviventes estão enfermos da banalidade do quotidiano, não permitem esta aproximação do Inferno provocada pela literatura. E para que servem as palavras? Para calar, calar no fundo daqueles que ficaram o grito que não cessa. Compreender o que nunca será explicável.