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Imagino a literatura como uma lâmina deslizando por mim dentro, atravessando a pele e a carne, a medula, embebendo o seu gume no sangue amargo da incerteza. Seguro a lâmina sem confiança, o punho treme, apertado por dedos inseguros; o corte é pouco acutilante, hesita entre o golpe fatal e a ferida rasa. Até à transparência; seria o metal feito de matéria que, sob o efeito do fogo, enrubesceria até à transparência, de modo a que o corte na carne fosse eficaz, definitivo. Quase nunca, quase nunca é assim. É tão ténue a vaga que se estende sobre a vida, tão pouco firme o chão onde se firma o pilar que sustenta a gramática interna do texto, que lentamente a crença se vai dissipando; na margem negra, lodosa, da vida. Um manto difuso, a literatura, cobrindo a superfície da existência e as suas rugosidades, planas ou tensas, ocultando-as do olho secreto que sabemos estar adormecido num plano profundo do corpo.

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