Tudo o que vale a pena não está aqui.



Longe


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Sentas-te à minha frente. Ajeitas a gola do casaco, olhas para cima. Estarão mais de quarenta graus e é quase noite. O sol encerra os teus olhos numa sombra. Colocas as mãos sobre a mesa, formando um espaço oco entre pele e madeira. O dedo indicador direito começa a dançar sobre uma falha, mas logo para. Dói-te? Como te dói... imagino, mas continuo a pensar que mereces. Noto algumas gotículas de suor sobre o traço grosso das sobrancelhas; sempre gostei das tuas sobrancelhas, vincando a austeridade do rosto - a severidade da pose. Não me convences, e voltas a tocar ao de leve na gola do casaco, roçando com o indicador esquerdo na carótida. Pulsa como uma toupeira debaixo da terra - passeiam-se toupeiras por dentro das veias, és um covil de toupeiras que esperam a noite para destruir tudo. O caos. Tudo. Talvez te admire. A tua resistência. O facto de teres convertido as toupeiras em animais de circo, amestrados. Quando adormecíamos, eu espiava o seu movimento nocturno. Ouvia-te dormir. Os teus sonhos. Agoras estás aqui, e já não me lembro dos sonhos que contavas. Tudo se perde. Apenas reconheço a cadência da respiração. Quase noite, e tu viras as mãos, mostras as palmas, as linhas escrevendo a vida, os espelhos que reflectem os meus olhos. Os espelhos partidos que reflectem a distância que se cavou, a partida. Os espelhos nas mãos, e nem um fio do espesso sangue resta. Tudo seco, deserto batido pelo vento. Longe.

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