Tudo o que vale a pena não está aqui.



Diário antigo (6)


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Convidei-a a entrar em casa. Recusou. Eu disse: entra. Ela recusou. Seduzi-a com palavras mansas; ou com palavras que eu julgava mansas. Ela disse que a minha voz era um crocito de corvo: desagradável e insignificante. Perguntei-lhe por que razão ela achava a voz do corvo insignificante. Ela contou-me a fábula do corvo e do jardim; eu não a conhecia e não entendi a mensagem. Repeti-a para mim próprio durante alguns minutos:

"Em Holland Park, havia um corvo que agoirava. Quem passasse sob um plátano que surgia numa curva mais apertada do jardim arriscava-se a ouvir o som; aquele som vindo das entranhas de pássaro, subindo até ao estrangulamento das amígdalas (nesta altura eu interrompi-a dizendo-lhe que os corvos não têm amígdalas, ao que ela replicou: também não há plátanos em Holland Park), até surgir à superfície, como uma rolha áspera flutuando na água. Era sempre assim, mas não acontecia muitas vezes - o exacto local do agoiro era pouco frequentado. Um dia, o corvo tomou-se de razões com outro corvo que fazia ninho ali perto. Como bom corvo que este último era, agoirou o corvo do plátano. No dia seguinte, o crocito ficou entalado na garganta, o corvo sufocou e morreu, indo cair sobre um banco onde estava inscrito: Sir William Worthington (1925-1982), beloved wife and daughter."

Meditei demasiado tempo na moral da história. Tanto que perdi a noção da sombra à porta. Convidei-a a entrar. Ela mostrou-me o que trazia na mão: o meu nome e uma data à frente. Crocitei a plenos pulmões e tranquei a porta a setes chaves. Por baixo, uma mancha líquida começou a alastrar.

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