Um momento
Arquivado segunda-feira, novembro 12, 2007 por Sérgio Lavos | E-mail this post
Abriu a porta de casa, arrastando aquele peso atrás. Com cuidado, desceu as escadas até ao átrio de entrada, espreitou os andares de cima, a noite guardava o seu silêncio. Enfiou a mão no bolso direito das calças e vasculhou até encontrar a chave. O mínimo ruído da fechadura pareceu ampliar-se de forma devastadora, mas conseguiu controlar-se a tempo. Uma chave a rodar não seria coisa de estranhar àquela hora. Quando se viu na rua, parou um pouco a pensar se devia carregar ou puxar o fardo pela rampa abaixo. Decidiu-se pela segunda hipótese. Fazia frio, notou-o porque se esquecera de vestir o casaco. Os cinquenta metros que a separavam do descampado foram penosamente percorridos, sempre em sobressalto, de olho atento em cada esquina que passava. Mas a cidade dormia. Quando os seus pés tocaram a terra, parou para descansar. Ofegante, o suor colado à camisa, cabelo desgrenhado, parecia ainda mais ridícula que antes. Mas conseguira, ninguém a detectara. Baixou-se e pegou numa ponta do fardo. Aos trambolhões, foi rolando pela colina abaixo. Quando ao fundo se ouviu o estalo do corpo na água, ela respirou fundo. A noite repousava mais dolente, o vento assentava sobre a terra.
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