Aquela velha, calorosa imagem:
o poeta deita ao chão o rascunho de um poema
e o mendigo, preso nos arames da vida,
pára e num instante de atenção,
desdobra o papel e lê:
aqui estão os versos que escrevem
as tuas mãos segurando o papel,
a garrafa de coca-cola com tinto até cima
guardada no bolso interior do sobretudo,
o vento frio de uma noite de novembro
que se esqueceu de te ensinar o caminho para
o abrigo mais próximo.
Volta a amachucar o papel e cospe
para o canteiro de buganvílias,
recorda o dia em que os primeiros rebentos
cobriram a extensa ferida do seu velho companheiro
de armas; a papa de sangue do rosto,
e o caule irrompendo da boca, em direcção ao céu
coberto de chumbo - um espelho da sepultura aberta
para onde caiu.
O papel guarda
o sopro do poeta; será um poema
o lugar onde o coração pára?
O mendigo repousa, no seu desgovernado passeio;
a força da bala sobre o peito é a verdade que
o papel deitado às buganvílas aceita;
O coração pára a um sinal do fogo;
assim seja.
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