A cada versão de um texto
uma voz nova.
Como obter o fogo, ficar perdido na infância?
O texto da infância - silêncio caído sobre os ossos,
a página derradeira. Depois da última sílaba,
um esvoaçar de asas na noite, o pio das corujas à caça.
Ali está ela: escondida na imagem nítida da areia -
os grãos sobre a pele, o modo incerto de tocar os grãos,
um vestígio de sangue entre a madeira e o horizonte da maré,
um lugar abandonado ao qual voltamos para reconhecer a erosão,
corpo frio sobre o aço gelado.
Um eco de uma voz, preso no tempo;
contar as rotações de um disco,
os saltos, os riscos, o timbre secreto da cantora
libertando o texto das cordas.
Apenas a identificamos depois de ter terminado - a erosão.
Ali está ela: a solidez da rocha carcomida, areia
derrotada aos pés, o mar gozando os despojos,
tábuas, cordame gasto, latas e anzóis de outras pescarias.
A infância - perdemo-nos nela, um extenso areal
onde a voz da mãe se dilui, se gasta, se consome.
A cada novo texto, a voz repete-se; a erosão
é a triste multiplicação dos grãos de areia, tempo derrubado sobre
o último derrame de uma voz, vidro partido.
E o verso é novo.
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